O Corpo que Cala: A Inibição Sexual e a Busca pela Intimidade Perdida

Autor: Nuno Tomaz Santos , 25/01/2025 (80 visualização)
Crise emocional, Depressão e apatia, Pensamentos obsessivos, Auto-identificação, Sexualidade, Medos e fobias, Violência sexual, Vergonha e culpa
O Corpo que Cala: A Inibição Sexual e a Busca pela Intimidade Perdida

Uma reflexão profunda sobre como a inibição sexual e a dificuldade de intimidade na vida adulta surgem de experiências precoces, repressões emocionais e dinâmicas sociais, com base nas contribuições de grandes pensadores psicanalíticos.

Há um silêncio que se instala no corpo. Não é um vazio de paz, mas um espaço carregado de medos, de memórias não processadas e de desejos adormecidos. É o silêncio do desejo reprimido, da proximidade evitada, da intimidade que parece inatingível. Esta semana, em consulta, encontrei novamente esse tema central: "Por que não consigo sentir?"; "Por que tenho medo de me aproximar?" Essas questões, tão comuns, são o reflexo de uma dor silenciosa, que atravessa muitos corpos adultos.

O desejo, que começa a ser formado na infância, é muitas vezes interrompido pelas primeiras experiências com o corpo. Freud falou da sexualidade como algo que se desenvolve ao longo da vida, mas sempre moldado pelas repressões e as interdições que surgem nas primeiras fases. O toque, a curiosidade corporal, que deveriam ser naturais, muitas vezes são recebidos com vergonha ou medo. Esse processo de censurecimento do corpo e do desejo instala-se nas camadas mais profundas da psique, criando uma cisão: o corpo se torna, então, o lugar de conflito e não de prazer.

Wilhelm Reich, ao falar da "armadura muscular", explicou como essas repressões podem ser fisicamente armazenadas no corpo. A tensão gerada pela repressão vai tornando o corpo rígido, como se estivesse à espera de algo que nunca chega. Essa armadura impede o fluxo do desejo, e o corpo que deveria ser livre e expansivo torna-se um lugar de resistência, onde o prazer se torna cada vez mais distante.

Porém, o desejo não é apenas interrompido por forças externas. Também a falta de uma presença emocional consistente e acolhedora, como nos alertou Donald Winnicott, é uma das maiores responsáveis por essa desconexão. Quando uma criança não tem um ambiente suficientemente bom, onde é vista e amada sem condições, cria-se uma máscara, um "falso self" que passa a proteger, mas também a isolar o sujeito do outro. Quando a pessoa adulta entra em relações íntimas, não é o corpo que recusa o encontro, mas a mente e as emoções que têm medo de se expor.

Jessica Benjamin também alertou para o impacto das normas sociais nas dinâmicas de desejo e poder. A sexualidade, especialmente para as mulheres, foi frequentemente silenciada por pressões culturais, onde o prazer era visto como algo impuro ou indesejável. Para os homens, a pressão por um desejo performático transformou o sexo em uma tarefa, e a intimidade em algo a ser evitado.

Além disso, a depressão, como nos ensinou André Green, pode ser uma das causas que apagam o desejo. Ele falou da "mãe morta", uma metáfora para a falta de afeto e conexão emocional. Esse desinvestimento afeta a capacidade de desejar, pois o outro é visto não como fonte de prazer, mas como um peso ou ameaça.

Apesar disso, o desejo não morre. Ele fica adormecido, à espera de ser reanimado. O desafio, portanto, é reaprender a confiar. O corpo precisa de tempo e espaço para reconectar-se com a sua própria natureza, para encontrar novamente o prazer e a intimidade. A terapia, nesse processo, é fundamental: ela oferece um ambiente seguro para a reconstrução da confiança, onde é possível explorar as próprias vulnerabilidades sem medo de ser rejeitado.

Na intimidade sexual, o verdadeiro desafio não está no corpo, mas no medo de se expor. O sexo não é apenas sobre prazer físico, mas sobre a entrega do ser, sobre a coragem de ser visto e amado em nossa totalidade. Como dizia Winnicott, "não existe algo como um bebé sem uma mãe". O desejo só existe no encontro – não apenas com o corpo do outro, mas com o seu ser.

A dificuldade de se conectar sexualmente na vida adulta é, portanto, um reflexo do medo de não ser amado ou aceito. Porém, à medida que nos permitimos ser vistos e, mais importante, ao nos permitirmos ver o outro, o desejo começa a ressurgir. Não de forma instantânea, mas como uma chama que se acende lentamente. O caminho não é fácil, mas é possível: através da coragem de nos entregarmos, aceitando a vulnerabilidade como uma parte essencial do encontro.

No fim, o desejo não se perde para sempre. Ele é uma força viva, que espera ser redescoberta, reconstruída. Ele está lá, aguardando o momento em que decidimos olhar para dentro e ver a possibilidade de ser, finalmente, plenamente humanos – em corpo, em emoção e em conexão.

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